Fim da década de 1980. Um novo capítulo se abre na história do mundo. A queda do muro de Berlim abrevia a Guerra Fria e intensifica a globalização econômica e social. Os computadores diminuem de tamanho e ganham espaço nas mesas de empresas e nas escrivaninhas de residências. A internet, ainda desconhecida, começa a quebrar a casca do ovo. Enquanto as mudanças se acentuam, um grupo de profissionais da contabilidade, percebendo o impacto disruptivo das novidades, reúnese para pavimentar os próximos passos do ofício. Defendem a necessidade de uma reorganização do setor contábil para fazer frente a um cenário cada vez mais competitivo.
Entre esses empresários destacam-se o paulista Annibal de Freitas, o gaúcho Ivan Carlos Gatti e o carioca Orlando Lima, três figuras proeminentes no universo da contabilidade e com uma longa trajetória classista. Quem conta sobre os movimentos que antecederam a criação da Fenacon é Irineu Thomé, que anos mais tarde se tornaria presidente do Sescon-SP e o segundo presidente da Fenacon.
“Em 1987, durante uma reunião na sede do sindicato das empresas de serviços contábeis do Rio Grande do Sul, começou uma conversa paralela sobre a necessidade de termos uma federação nacional, que falasse em nome de toda a categoria. Nós não tínhamos representação nacional. Os sindicatos estaduais eram filiados às respectivas federações do comércio. Três pessoas se destacaram nessa conversa: o Anníbal, nosso guru em São Paulo, muito ativo na área sindical, o Gatti, do Rio Grande do Sul, que chegou a ser o presidente do Conselho Federal de Contabilidade, órgão máximo do setor, e o Orlando Lima, então presidente do Sescon do Rio de Janeiro. Nessa reunião chegamos à conclusão de que a federação nacional deveria existir e que sua sede seria em São Paulo. O sindicato paulista já era o mais importante do País, recebia contribuições sindicais e tinha algum dinheiro.”
“Mas não se funda uma federação de um dia para o outro. Em janeiro de 1988 foi feita uma nova reunião, dessa vez em São Paulo, no Hilton, na avenida Ipiranga. Essa reunião, a primeira Convenção Nacional dos Empresários de Contabilidade [Conec], foi coordenada pelo José Serafim Abrantes. Participaram representantes dos sindicatos de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Distrito Federal. O Gatti formalizou a ideia da criação da federação e o Orlando sugeriu que o Anníbal assumisse a presidência.”
Irineu lembra-se que entre os diversos temas debatidos no encontro, o que mais gerou interesse foi a utilização da informática, ferramenta ainda nova para os contadores naquela final de década.
Dois encontros importantes – já batizados como Conesc (Convenção Nacional das Empresas de Serviço Contábil) – sucederam a reunião do hotel Hilton. Em agosto de 1989, os empresários contabilistas se reuniram em Gramado (RS). O novo sistema sindical, definido pela Constituição Federal de 1988, e debates sobre ética tomaram boa parte das discussões da 2ª Conesc. Em outubro de 1990, o encontro foi em Águas de Lindóia, interior de São Paulo. O Brasil pós-Plano Collor pautou as conversas que versaram sobre o papel do contador nesse novo momento do País.
Nesta 3ª Conesc, a advogada Maria Arakaki defendeu que, com as novas medidas impostas pelo governo, o contador ganhava e importância e tornava-se uma espécie de conselheiro do empresário. Também palestrou no encontro de Águas de Lindoia o publicitário Roberto Duailibi. Ele destacou a necessidade de as empresas utilizarem as ferramentas de marketing para alavancarem o crescimento do negócio.
Entre os debates propostos nas convenções, as articulações entre os líderes do setor foram solidificando a criação da Fenacon e embasando os termos para sua fundação.
"Como era necessário um número mínimo de sindicatos para fundar uma federação nacional, os empresários de contabilidade começaram a perceber a importância de abrir sindicatos em seus estados. O Anníbal de Freitas, já como futuro presidente, passou a ajudar muito nesse processo" - Irineu Thomé, presidente da Fenacon de 1995 a 1997.
Em 26 de abril de 1991, representantes de oito sindicatos estaduais reuniram-se para finalmente dar luz à nova federação. A assembleia começou por volta das 10h na sede do Sescon-SP, no 23º andar do edifício CBI Esplanada, no número 367 da rua Formosa, no Vale do Anhangabaú, centro histórico de São Paulo. Conforme relata a ata de fundação da então denominada Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis, Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas, acrônimo Fenacon, estavam presentes os sindicatos de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará e do Distrito Federal.
Presente à reunião, Eliel Soares de Paula, à época diretor do Sescon-DF, relembra que, além de um clima de euforia devido à realização de um projeto lapidado durante anos, a reunião realçou o momento de elevada autoestima dos empresários de contabilidade.
“Quando o Gatti foi presidente do Conselho Federal de Contabilidade, de 1990 a 1993, ele mudou o conceito da profissão no Brasil e elevou muito a nossa autoestima. Estávamos próximos da virada do milénio e o Gatti pregava que a contabilidade seria a grande profissão do ano 2000. Ele tinha esse discurso e o fazia de maneira inflamada. Isso fez crescer o nosso movimento, fomentou a abertura de sindicatos nos estados e, de certa maneira, levou à criação da Fenacon. Toda vez que nos encontrávamos em eventos e congressos, discutíamos o projeto da Fenacon. Então, quando chegamos a essa reunião [do dia 26 de abril de 1991], tudo estava costurado. Era só formalizar e tornar oficial. Já saímos com a primeira diretoria constituída e com o Anníbal declarado presidente.”
Os signatários da ata de fundação tinham ciência, no entanto, que aquele dia histórico era apenas o primeiro de uma jornada longa e repleta de obstáculos. Entre os entraves já previstos, como conta o mineiro Eliel, estava a oposição de entidades classistas incomodadas com a chegada da nova federação.
“Sabíamos que a fundação da Fenacon era o pontapé inicial, que tinha muita briga pela frente. Iríamos enfrentar concorrência de sindicatos e a resistência de federações. O Sescon-SP era um dos maiores sindicatos da Federação do Comércio, um dos maiores em arrecadação. Com a nossa saída, eles perderiam um dos filiados que mais contribuíam financeiramente.”
Thomé relata que apesar de a assembleia de fundação ter acontecido em abril de 1991, sua divulgação deu-se somente em janeiro do ano seguinte. O adiamento teria sido um pedido do presidente da Fecomercio, Abram Szajman.
“Nós fomos falar com ele; o Anníbal e eu. Perguntamos se ele iria impugnar a Fenacon. A conversa foi longa. Argumentamos e dissemos que a entidade era de importância fundamental para a categoria. O Abram foi muito receptivo e simpático. Respondeu que não impugnaria, mas pediu para esperar: ‘Vocês façam a sua federação no ano que vem’. Acredito que ele queria manter a receita das contribuições sindicais daquele ano.”