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Guedes deixa de lado desoneração e propõe isenção a big techs

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O benefício a 17 setores brasileiros está ameaçado, mas o ministro propõe subsidiar empresas que invistam na Amazônia

Reprodução

Enquanto os 17 setores da produção nacional correm o risco de perder o benefício da desoneração da folha de pagamento por mudança de estratégia fiscal, o ministro da Economia, Paulo Guedes, propõe isentar de impostos, por duas décadas, as grandes empresas tecnológicas que invistam na Amazônia. Ainda que o fortalecimento ao desenvolvimento na região seja necessário, a proposta de Guedes é motivo de crítica por parte de especialistas econômicos ouvidos pelo R7, sobretudo diante do cenário de crise interna. 

A iniciativa de oferecer 20 anos de isenção a empresas como Tesla, Google e Amazon, nominalmente citadas pelo ministro, foi debatida durante sua participação no painel da COP26, ao lado do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. A partir da instalação das empresas digitais, Guedes espera a transformação da região na “capital mundial da bioeconomia, da economia sustentável”. Segundo ele, essa seria uma “pequena visão do que pode ser feito com uma riqueza natural imensa que nós temos”. 

Na fala, o ministro defende a necessidade de achar a “vocação da região” e cita exemplos de sucesso como Las Vegas e Singapura como cidades que se tornaram referência a partir do desenvolvimento de um polo. “Os americanos foram capazes de transformar o deserto em uma celebração da vida, numa festa de grandes espetáculos, de encontro de executivos”, diz Guedes, que definiu Las Vegas como a “capital mundial do entretenimento”. 

Guedes afirma que a região amazônica precisa de um investimento como esse, justificando que a produção industrial na região é obsoleta. “Vemos a vulnerabilidade de uma população em volta de atividades econômicas que são já coisa do passado, estão ficando obsoletas, e que inclusive estão geoindustrialmente mal posicionadas, só à base de incentivo.”

Na avaliação de Guedes, a abertura “a todos que quiserem se instalar” geraria a “selva do silício”, disse, em referência ao Vale do Silício, região na Califórnia que abriga start-ups e empresas globais de tecnologia. “Podemos ser a capital mundial da economia verde e digital. Agora, nós vamos ter que vocacionar a região para isso.”

Análises

Ainda que feita em um contexto de troca de ideias, de discussão sobre possibilidades, a fala de Guedes, na avaliação do consultor legislativo na área econômica Roberto Piscitelli, causa impacto e efeitos e, por isso, demonstra uma “incontinência verbal do ministro”. “Até poderia justificar-se como manifestação de uma opinião de quem não ocupa um cargo de tamanha responsabilidade. Coisas desse tipo, dependendo da direção em que vão, podem criar ou falsas expectativas ou pânico.”

A hipótese da isenção vem dentro de um cenário em que o país tem problemas fiscais graves, reconhecidos pelo próprio governo, em que a saída atualmente mais discutida para conseguir abertura fiscal capaz de bancar o incremento do Bolsa Família está em torno da PEC dos Precatórios, que consiste em limitar o pagamento das dívidas da União para as quais não cabem mais recursos judiciais. 

Piscitelli diz que, enquanto o governo pretende “dar um calote nos credores de décadas e corta as dotações para a ciência e tecnologia”, pensa na proposta de isenção de imposto às big techs. “Chega de ampliarmos mais de R$ 300 bilhões de renúncias fiscais a quem não precisa para priorizarmos a situação do conjunto da população que é vítima de tantas dificuldades e não tem hoje sequer a garantia do extinto Bolsa Família.”

O cientista econômico André Rehbein Sather lembra que o Vale do Silício se deu por uma configuração espontânea, engatilhado por grandes investimentos governamentais e privados em empresa de tecnologia nos Estados Unidos. “Houve sim investimentos governamentais, mas esses foram apenas um dos elementos da equação e, na verdade, eram encomendas do governo de projetos de tecnologia de empresas privadas. O que não houve foi a concessão de subsídios ou uma formação definida pelo governo americano.”

As experiências com fundamento na concessão de subsídios no Brasil, para Sather, não trouxeram resultados expressivos. “As poucas análises existentes sobre essas políticas demonstram que os resultados são inferiores aos custos. Nada mais antiliberal do que atuar com concessão de subsídios e imaginando criações governamentais de um ecossistema de inovação”, criticou, avaliando a ideia como “estapafúrdia” e “apenas mais um factoide de Paulo Guedes”. 

Já o economista e cientista político, Ricardo de João Braga, sócio da Arini Inteligência, pondera que, no nível das ideias, a Amazônia precisa, de fato, fortalecer um plano de desenvolvimento viável e harmônico com as possibilidades, o que já vem sendo feito.

“Há pesquisas em instituições da própria Amazônia tentando criar alternativas (universidades, institutos de pesquisa) e ações de grupos privados que exploram a floresta em parceria com populações locais (comum na área de cosméticos, por exemplo). Na fala do ministro não parece haver conhecimento, e muito menos diálogo, com essas iniciativas.”

Braga afirma que isso é reflexo do caráter tecnocrático da gestão e critica Guedes por não conseguir se posicionar “além das ideias descompromissadas”. “Guedes não consegue manter um posicionamento coerente, que se vê nas vezes que aceitou flexibilizações em seus planos (a mais grave é a quebra do teto de gastos agora), e também não tem resultados: não fez privatizações, não cortou subsídios, não vendeu imóveis da União no volume prometido.”

O presidente  do Conselho Regional de Economia do DF, Cesar Bergo, vê a criação de um polo tecnológico na Amazônia como algo positivo e necessário, “não fosse a questão e o momento econômico pelo qual estamos passando”.

“Com tanta dificuldade de arrecadação, a desoneração [às empresas tecnológicas] é um peso muito complicado. À medida que você desonera algumas empresas, as outras vão querer também e isso tem que ser bem administrado.” Bergo diz, ainda, enxergar pouca credibilidade do governo para atrair investidores. “Guedes lança a ideia para buscar adeptos. Mas a credibilidade do Brasil lá fora está muito baixa.” 

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