O exercício do direito do trabalhador a oposição à contribuição sindical — objeto do projeto de lei (PL) 2.099/2023 — foi defendido pelos debatedores reunidos na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) nesta terça-feira (21) que, no entanto, divergiram sobre questões como a efetividade das convenções coletivas, as condições de financiamento da atividade sindical e os obstáculos atualmente impostos a quem não deseja contribuir aos sindicatos.
A proposição do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), já aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e encaminhada à CAS, altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT — Decreto-Lei 5.452, de 1943). De acordo com o projeto, mesmo que seja filiado, o trabalhador deve autorizar prévia e expressamente a cobrança de contribuições aos sindicatos da categoria econômica ou profissional. Desde a Reforma Trabalhista (Lei 13.467, de 2017), a contribuição — que até então tinha natureza tributária e obrigatória — passou a ser facultativa aos não associados, mas, em decisão de setembro deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela constitucionalidade da cobrança de contribuição assistencial dos empregados não sindicalizados em caso de acordo, convenção coletiva de trabalho ou sentença judicial, ressalvado o direito do trabalhador de se opor expressamente à cobrança.
A realização da audiência pública atende a requerimento (REQ 116/2023 — CAS) dos senadores Rogerio Marinho (PL-RN) e Paulo Paim (PT-RS), respectivamente relatores da matéria na CAE e na CAS.
Monopólio sindical
O professor da Universidade de São Paulo (USP) José Pastore saudou a iniciativa do Legislativo de regulamentar a contribuição sindical e classificou como “temerária” a decisão do STF, pois concede a entidades a liberdade de fixação de valores assistenciais num contexto em que, segundo a Constituição, “nem o poder público” pode intervir nos sindicatos.
— O STF tomou uma decisão que é um caso único de garantia de liberdade plena e absoluta a entidades monopolistas que não podem ser controladas por ninguém. Acho que isso não existe em lugar nenhum do mundo.
Pastore considera que, nos termos da regulamentação atual, o exercício do direito à oposição sofre vários obstáculos, de modo que a contribuição sindical se torna obrigatória na prática. Manifestando apoio ao PL 2.099/2023, ele mencionou uma lista de países, incluindo Venezuela e Nicarágua, que permitem o desconto em folha da contribuição sindical mas exigem, para isso, a autorização por escrito do trabalhador.
Por sua vez, Miguel Eduardo Torres, presidente da Força Sindical, associou a Reforma Trabalhista ao aumento do desequilíbrio entre patrões e empregados, situação que deve ser enfrentada pelo reforço da atividade associativa dos trabalhadores e seu respectivo financiamento. Assinalando que a decisão do STF declarou a constitucionalidade da contribuição sindical por não filiados, ele disse respeitar o direito à oposição, mas não o exercício desse direito “a qualquer tempo, a qualquer modo e por qualquer meio”.
— A oposição é coletiva: se a aprovação da pauta e a convenção [de trabalho] é coletiva, a oposição também tem que estar no meio disso.
Diretor da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan contestou esse argumento.
— É vedada a imposição de dispor do salário do trabalhador, e nas poucas exceções em que ela é admitida, ela se fundamenta em alguma autorização para coparticipação em benefício legal, vale-transporte, vale-alimentação, programa médico (…) para ele mesmo [o trabalhador] usufruir.
Furlan apresentou dados sobre o forte declínio da arrecadação dos sindicatos e do número de filiados desde o fim da contribuição obrigatória, mas alertou para o “paradoxo” de o número de acordos e de convenções coletivas continuar em mais de 40 mil instrumentos celebrados por ano.
Sindicatos patronais
Tanto Miguel Eduardo Torres quanto Valeir Etle, secretário nacional de assuntos jurídicos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), opinaram que o esforço pela ampliação do direito à oposição se restringe ao financiamento das associações dos trabalhadores. Torres lembrou que uma parcela das contribuições das empresas ao Sistema S é compulsoriamente destinada aos sindicatos patronais, e Etle — que citou conselhos profissionais, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que vedam a atuação dos membros que faltarem com suas contribuições associativas — manifestou seu entendimento de que o debate sobre pagamento ou não pagamento de contribuições sindicais por patrões e por empregados cabe unicamente aos respectivos segmentos.
— Nunca discutimos nem demos nenhuma opinião sobre como as entidades patronais têm que descontar contribuições, taxas de manutenção ou qualquer outra taxa.
Segundo Etle, a CUT sempre foi contra o imposto sindical, mas, citando exemplos como o do Fundo Partidário, “tudo tem financiamento”, ou público, ou privado. Para ele, o direito de oposição, na forma apresentada no PL 2.099/2023, consiste em “prática antissindical velada” e “uma afronta”.
Exceção
Já Alexandre Furlan comentou que vários sindicatos impuseram procedimentos “praticamente impossíveis de cumprir” e “filas quilométricas” para os trabalhadores contrários ao desconto da contribuição. Valeir Etle disse que esses casos são excepcionais, ainda que deva ser preservada a autonomia dos sindicatos para determinar as regras de exercício do direito à oposição.
— Não podemos fazer uma legislação pela exceção, criar várias formas de impedir o desconto e cada vez mais prejudicar os sindicatos (…) em função de algumas práticas que a gente abomina.
Entendimento
Paulo Paim comentou a discussão cobrando entendimento de empregados e empregadores em torno da decisão do STF e argumentou que as entidades sociais têm que ter o mínimo de estrutura.
— Alguém acha que você vai fazer a boa prática sindical, a boa negociação, o bom diálogo, o bom procedimento sem ter uma certa estrutura? Isso tem em qualquer país do mundo.
Enquanto isso, Rogerio Marinho citou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para classificar a Reforma Trabalhista como um “sucesso absoluto” que tem elevado o Brasil economicamente apesar das ações “contraditórias” do atual governo. Ele salientou que o que se discute no projeto em pauta é o exercício do direito de oposição em face de convenções coletivas pouco representativas.
— As assembleias, via de regra, são esvaziadas. Não representam o conjunto dos trabalhadores: representam a minoria organizada que defende aquele determinado segmento.
Paim declarou esperar que o assunto possa ser discutido em outras audiências públicas abrangendo outros setores da sociedade, mas Marinho disse que o tema está “amadurecido” e a demora na deliberação prolongará a insegurança jurídica sobre o direito à oposição.
Fonte: Agência Senado