O Carf é um órgão do Ministério da Fazenda que decide disputas tributárias entre contribuintes e Receita Federal
O presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin, sancionou, com 15 vetos, a lei que determina o retorno do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A Lei 14.689/23 foi publicada nesta quinta-feira (21).
O Carf é o órgão do Ministério da Fazenda que decide as disputas tributárias entre os contribuintes e a Receita Federal. Até 2020, quando havia empate nas decisões, prevalecia o voto do presidente da câmara de julgamento — sempre um representante da Fazenda.
A Lei 13.988, de 2020, extinguiu o voto de qualidade e deu vantagem aos contribuintes nas votações que terminassem empatadas. A lei publicada nesta quinta-feira restaura a regra anterior. Segundo o Ministério da Fazenda, a retomada do voto de qualidade pode evitar uma perda anual de R$ 59 bilhões para a União.
A nova lei é resultado do Projeto de Lei (PL) 2.384/2023, enviado pelo Poder Executivo e aprovado pelo Senado no mês passado com relatório favorável do senador Otto Alencar (PSD-BA). O presidente da República vetou por contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidade 14 temas incluídos no projeto por senadores e deputados. Parte deles previa a redução ou o perdão de dívidas devidas por contribuintes e cobradas pela Receita Federal. Veja a seguir:
Redução de multas
O Palácio do Planalto vetou uma série de artigos que criavam “medidas de incentivo à conformidade tributária”. Entre elas, a redução, em pelo menos um terço, do valor das multas de ofício aplicadas pela Receita; e a redução das multas de mora em pelo menos 50%. Para o Ministério da Fazenda, o projeto de lei “não estabeleceu as balizas para a aplicação da redução, o que poderia causar insegurança jurídica”.
Outro dispositivo vetado reduzia em um terço o valor de multas de ofício nos casos de:
- erro escusável do contribuinte que demonstre intenção de cumprir a obrigação tributária;
- divergência na interpretação da legislação; e
- práticas reiteradas adotadas pela administração ou pelo segmento de mercado em que o contribuinte estiver inserido.
Para o Poder Executivo, a medida “poderia ocasionar a redução expressiva da multa de ofício, condicionada a critérios que se baseiam em conceitos abertos, não sendo dotados de um sentido preciso e objetivo”.
O PL 2.384/2023 também previa redução de multas para o contribuinte que adotasse “providências para sanar ações ou omissões durante o curso da fiscalização”. Para o Ministério da Fazenda, o texto “poderia reduzir o poder dissuasório da multa qualificada”.
Perdão de dívidas
O Executivo vetou ainda um artigo segundo o qual uma multa de ofício poderia ser perdoada “de acordo com o histórico de conformidade do contribuinte”. “O dispositivo causa insegurança jurídica tendo em vista que não estabelece a competência e o procedimento a ser aplicado para relevação da pena; e utiliza expressão genérica — ‘histórico de conformidade’ — e não delimita o seu alcance”.
Outro artigo revogava a possibilidade de agravamento de multa nos casos de embaraço à fiscalização (quando o contribuinte não atende intimação para prestar informações). “A revogação implicaria a ineficácia da norma que autoriza a administração tributária a exigir do sujeito passivo as informações e os documentos necessários ao procedimento fiscal”, argumenta o Ministério da Fazenda.
“Decisão pretoriana”
Senadores e deputados incluíram no PL 2.384/2023 um artigo para cancelar multas que excedam 100% do valor do crédito tributário apurado. O dispositivo levou em conta uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que limitou o valor de cobrança de multas excessivas por considerá-las “confisco ao contribuinte”.
Esse ponto também foi vetado. O Poder Executivo classifica como “pretoriana” a decisão do STF sobre o limite máximo da multa de ofício qualificada. “Não é possível extrair do julgamento razão que justifique o dispositivo que pretendia ‘cancelar’ toda multa tributária que excedesse 100% do valor do crédito tributário. Acarretaria implicações negativas do ponto de visto orçamentário-financeiro, bem como geraria enorme demanda administrativa e judicial para seu cumprimento”.
Multas de ofício
Lula barrou um artigo que tratava de um adicional aplicado sobre as multas de ofício emitidas pela Receita Federal em situações como falta de pagamento, falta de declaração ou declaração inexata. De acordo com o projeto, esse valor extra não poderia ser cobrado se o contribuinte espontaneamente revelasse ou não tentasse omitir irregularidades.
Para o Ministério da Fazenda, “o dispositivo prevê formulação genérica e subjetiva que dificultaria a aplicação da multa”. “Essa imprecisão geraria insegurança jurídica e tornaria o processo administrativo fiscal mais complexo. Se o sujeito passivo pratica condutas que configuram sonegação, fraude ou conluio, a divulgação de atos ou fatos deve ser realizada previamente a qualquer procedimento fiscal”, justifica a pasta.
Graduação da pena
O presidente da República vetou um artigo que tratava da punição para os casos de sonegação, fraude ou conluio. Pelo projeto, os responsáveis só poderiam ser penalizados “uma única vez, ainda que seus efeitos impactem o cumprimento das obrigações tributárias em diferentes competências subsequentes”.
Para o Poder Executivo, a medida contaria o interesse público. “A graduação da pena deve ser realizada de acordo com os critérios previstos na própria legislação tributária. Enunciar que a conduta seria sancionada por uma única vez teria potencial de gerar insegurança jurídica, porque a maior parte das obrigações principais tributárias ocorre sucessiva e periodicamente, de forma que uma mesma conduta pode ensejar a aplicação da multa tributária a fatos geradores relacionados a distintas competências”.
Autorregularização
O Poder Executivo barrou um artigo que obrigava a Receita Federal a oferecer métodos preventivos para a autorregularização de obrigações principais ou acessórias relativas a tributos. De acordo com as razões do veto, o dispositivo “viola o primado da segurança jurídica”.
“A autorregularização, embora recomendável, não poderia ser considerada uma regra obrigatória, pois sua implementação indiscriminada, ou seja, a todos os casos, poderia implicar redução da arrecadação espontânea, incentivo à postergação do pagamento de tributos e redução da eficácia de programas de conformidade”.
Controvérsia
Outro ponto vetado tratava de litígios entre o contribuinte e a Receita Federal provocados por controvérsia jurídica entre a autoridade fiscal e um órgão regulador. Pelo texto aprovado no Congresso Nacional, os litígios desse tipo seriam submetidos à Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal.
Na mensagem de veto, o Ministério da Fazenda argumenta que dispositivo contraria o interesse público. “Não há que se falar em mediação ou conciliação no âmbito do processo administrativo fiscal por uma possível divergência de classificação de mercadorias entre a Receita Federal e um órgão regulador, tendo em vista que a administração tributária tem competência exclusiva para dispor sobre a matéria”.
Transação tributária
Outro ponto barrado trata de créditos inscritos em dívida ativa da União. De acordo com o PL 2.384/2023, os créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade poderiam ser objeto de proposta de acordo de transação tributária.
Segundo o projeto de lei, caberia ao procurador-geral da Fazenda Nacional regulamentar a forma de transação. Essa regulamentação deveria conter condições “não menos favorecidas” do que aquelas oferecidas aos demais contribuintes, além de considerar o prognóstico do risco judicial de cada processo.
Para o Executivo, a proposição contraria o interesse público e viola o princípio da isonomia. “A determinação de que a transação ‘conterá condições não menos favorecidas’ poderia não ser adequada na totalidade dos casos uma vez que dispõe de forma genérica e subjetiva, sem estabelecer balizes ou condições”.
Fiança bancária
O presidente Lula também vetou um grupo de dispositivos relacionados a seguro-garantia e fiança bancária. De acordo com o PL 2.384/2023, os instrumentos só poderiam ser usados para garantir a parte principal de dívidas, e não incluiria os chamados acessórios. Segundo o Ministério da Fazenda, “a impossibilidade de execução imediata dessas espécies de garantia fragilizaria o processo de cobrança”.
Cooperativas
Lula também vetou um artigo que permitiria às cooperativas ter pessoas jurídicas como associadas, mesmo que a atividade econômica de ambas não fosse relacionada. Pela regra atual, pessoas jurídicas podem participar de cooperativas como uma excepcionalidade. Para isso, elas precisam se dedicar ao mesmo objeto dos cooperados e atuar como entidades sem fins lucrativos. “A alteração estenderia, por via oblíqua, o tratamento tributário diferenciado aplicável às cooperativas para as pessoas jurídicas em geral, inclusive àquelas com finalidade de lucro”, argumenta o Poder Executivo.
Com informações da Agência Senado e Agência Câmara
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