Por Fábio Pupo/Folhapress
O ministro Paulo Guedes (Economia) voltou a minimizar a perda anual de R$ 30 bilhões para os cofres públicos decorrente da proposta que altera o Imposto de Renda formulada por ele e pelo relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA). Para o titular da equipe econômica, “a hora de errar é agora”.
“Nós vamos para o risco, preferimos errar para o outro lado [corte de receitas]. Se tiver que errar, a hora de errar é agora”, afirmou durante debate sobre a reforma tributária realizado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) e pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
O ministro defende que o crescimento da arrecadação observado em 2021 autoriza ele a “arriscar” perda de recursos com as mudanças, que serão observadas de forma permanente a partir de 2022. “[A arrecadação está vindo] R$ 200 bilhões acima [de 2020]. Será que eu não posso arriscar R$ 30 bilhões?”, disse.
Analistas vêm criticando a ideia porque ela usa um fator de caráter não-recorrente (melhora nas receitas neste ano) para embasar uma perda com efeitos permanentes.
Guedes conhece as críticas. Mas afirma que a arrecadação não vai voltar a cair nos próximos anos mesmo que o PIB [Produto Interno Bruto] do país não cresça. Desta vez, no entanto, ele adicionou um adendo às declarações: “mas também não caia”.
“‘Ah não, mas isso é temporário e ano que vem…’ Não, quem conhece a economia sabe a arrecadação depende do nível. Se eu crescer zero nos próximos três anos, mas também não caia, o nível de arrecadação é esse. Tem R$ 200 bilhões a mais lá”, disse.
No primeiro semestre, a arrecadação federal ficou R$ 176 bilhões, ou 24%, acima de igual período do ano passado (já descontada a inflação). Os R$ 897 bilhões obtidos foram o melhor resultado em 22 anos.
Mas, conforme mostrou o jornal Folha de S.Paulo, economistas apontam que a melhora vista em 2021 está ligada a fatores não assegurados para os anos futuros, como a própria melhora na economia, o preço das commodities e até o padrão de consumo na pandemia -mais voltado a bens (em geral, com taxação mais elevada do que serviços).
Há dúvidas sobre o comportamento da economia e das receitas nos anos seguintes -em especial considerando os impactos da crise energética e as incertezas sobre a recuperação da economia em meio à persistência da Covid-19 no país. Por isso, contar com essa elevação para respaldar um programa permanente é questionado por especialistas que apontam que o ideal é uma proposta que não tenha impacto fiscal negativo.
O país está no vermelho desde 2014 e atingiu um rombo recorde em 2020 devido às medidas anticrise da Covid-19. A dívida bruta do governo é de R$ 6,7 trilhões -o que representa 84,5% do PIB. O endividamento é pago pelo país como um todo.
O buraco na arrecadação pode ser ainda maior se as medidas de compensação previstas na proposta não forem integralmente aprovadas no Congresso. Entre elas, estão a imposição do teto de salário para servidores públicos, a taxação de auxílios no funcionalismo e a retirada de diferentes subsídios para grupos empresariais.
Estados e municípios reclamam que praticamente toda a perda gerada pela proposta vai ficar com eles. Em cartas públicas, eles atacaram a proposta e os secretários estaduais de Fazenda chamaram o projeto de “atentado”.
Para conquistar apoio de governadores e prefeitos, o relator da reforma tributária, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), sugeriu criar uma garantia para que eles não percam arrecadação.
“Nós estamos oferecendo ao Ministério da Economia, e ele está muito sensível a uma ideia que vamos discutir. Para colocarmos um hedge [espécie de seguro]. Para nenhum estado ter redução no FPE e FPM [fundos de participação de estados e municípios, respectivamente]. E assim agradar gregos e troianos”, afirmou Sabino.
Guedes não mencionou a sugestão diretamente, mas mostrou contrariedade com a proposta de gerar uma garantia a estados.
“Nós somos federalistas, queremos ajudar estados e municípios. Mas não pode haver um abuso nisso, em querer fazer um acordo dos impostos em cima de garantias da União”, disse Guedes. “Eu já vivi esse troço antes. Nos vamos dar os repasses como damos, mas sabemos até onde podemos ir. Não podemos, para ficar bem com outra instância da federação, destruir o futuro de nossos filhos e netos, nosso compromisso com a estabilidade fiscal”, afirmou o ministro.
Guedes defendeu a taxação de dividendos e o fim da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio (os JCP, recursos distribuídos a acionistas e que geram desconto na base de cálculo de impostos das empresas). O ministro, no entanto, sinalizou que os JCP podem ter um fim escalonado -embora não abra mão de esse ponto continuar na proposta.
Isaac Sidney, presidente da Febraban, ressaltou no evento a importância do equilíbrio nas contas públicas. E disse que é preciso discutir a reforma mesmo com a economia ainda vulnerável por fatores como inflação, risco fiscal e instabilidade política.
“Não ignoro que nossa economia ainda esteja vulnerável ao sabor de algumas incertezas e alguns desafios. Como a dinâmica fiscal ainda débil, patamares elevados de desemprego, inflação em níveis acima da meta, uma crise hídrica que nos ameaça com risco de apagões, instabilidade política e outros fatores. Mas podemos e, mais do que isso, devemos construir um ambiente fértil e propício para as reformas”, afirmou Sidney.
Segundo ele, a Febraban tem disposição para colaborar com o que chamou de “construção de um pontapé inicial da reforma tributária”. A entidade prefere uma reforma ampla.
“É importante darmos a largada do ponto de vista do modelo tributário brasileiro, ainda que o setor bancário não esteja tendo seus interesses totalmente contemplados”, afirmou Sidney. Ele defendeu que a prioridade das políticas públicas agora deve ser a firmeza no controle da pandemia, o compromisso com as contas públicas e a agenda de reformas.
Robson Andrade, presidente da CNI, afirmou que a entidade prefere uma reforma que promova uma ampla fusão de impostos (tanto federais como estaduais e municipais).
A confederação defendia a PEC (proposta de emenda à Constituição) 45, de autoria da Câmara, com mudanças. “Nós entendemos que essa reforma ampla seria a adequada para o país”, afirmou Andrade.
Guedes rechaça uma reforma ampla porque as discussões acabam impulsionando a criação de R$ 500 bilhões pago pela União para compensar prefeitos e governadores e por considerar que a alíquota a ser aplicada seria muito alta, o que prejudicaria pincipalmente comércio e serviços.
“É muito fácil dizer que tem uma reforma ampla, mas quando você vai olhar não tem nada embaixo. É um painel cheio de botão, mas você aperta e não tem nenhum fio embaixo. É blablá”, afirmou o ministro.