Carlos Melles*
No momento em que o mundo sofre as severas consequências da pandemia do Covid-19, o Congresso Nacional brasileiro está debruçado sobre a agenda de reformas para reduzir os danos da crise sanitária e dar um respiro à economia. O primeiro passo foi a aprovação da PEC Emergencial, uma proposta de emenda à Constituição que tem como objetivo contribuir para o reequilíbrio das finanças do país.
O projeto traz sugestões de mudanças para cortar gastos públicos, melhorar a gestão do orçamento e permitir que o Estado arrecade mais para conseguir organizar as despesas do dia a dia. Em decisão acertada, o Congresso preservou o modelo tributário diferenciado para micro e pequenas empresas, excepcionando o Simples Nacional dos eventuais cortes que deverão ser indicados pela Presidência da República nos próximos meses.
Para compreender a importância dessa sensibilidade do Congresso diante de um desafio tão grande, é fundamental entendermos o papel do Simples Nacional não só na economia, mas no desenvolvimento social do Brasil desde sua criação. O modelo atende um dispositivo da Constituição de 1988, que entendia ser fundamental apoiar as pequenas empresas, por meio de um regime compartilhado de arrecadação e cobrança de tributos que facilitasse a organização e o pagamento desses impostos.
Dito isso, não há como fugir do trocadilho. O Simples não é tão simples de se entender. Ele faz parte do intrincado e complexo sistema tributário brasileiro, mas é o grande responsável por termos uma cadeia robusta de pequenas empresas que geram emprego e renda para o país. Digo complexo porque se nos debruçarmos sobre a tributação das empresas no Brasil, perceberemos que, ao contrario do senso comum, as MPEs contribuem tanto quanto ou mais do que grandes empresas – se comparados os impostos pagos ao que se fatura.
Prova disso é que, se pegarmos dados da Receita Federal do ano de 2018, por exemplo, veremos que o Simples arrecadou tributos e contribuições federais equivalentes a 8,2% da receita bruta com impostos federais. Ao olhar os valores pagos pelas empresas optantes pelo lucro real, veremos que esse percentual foi de 7%, ou seja, proporcionalmente as grandes corporações e instituições financeiras que utilizam esse regime pagam menos impostos que as micro e pequenas empresas no país.
É importante levar em conta ainda o cenário atual, em que as MPEs têm se apresentado como a chave para retomada do crescimento econômico no atual momento de crise. Os números comprovam: são cerca de 17 milhões de negócios optantes pelo Simples, o que representa mais de 80% empresas brasileiras. Elas respondem por 44% da massa salarial e juntas, foram responsáveis pela geração 293,2 mil novos empregos em 2020. Esses empreendimentos também contribuem significativamente para a arrecadação. Em 2019, os tributos chegaram a R$ 103 bilhões e, em 2020, a R$ 105 bilhões. A tendência é que o número aumente com a criação de novas empresas.
Esses dados, por si, já corroboram a tese defendida por alguns dos economistas mais renomados do país: o Simples é mola propulsora para reduzir a informalidade, gerar emprego, distribuir renda, permitir a inclusão social e fortalecer a economia. Sem o regime, inclusive, 64% das empresas seriam obrigadas a fechar as portas ou reduzir atividades. Segundo pesquisa do Sebrae, empreendimentos optantes pelo modelo têm taxa de sobrevivência duas vezes maior (83%) que a de não-optantes (38%).
Ao abrigar o Microempreendedor Individual, mais conhecido como MEI, o Simples Nacional trouxe ainda mais facilidade ao simplificar um processo que sempre foi burocrático e impedia que o Estado tivesse mais controle sobre o pagamento de impostos. Hoje, 11,6 milhões de brasileiros são MEIs e podem usufruir de um benefício fiscal que traz segurança e previsibilidade ao trabalhador, além de garantir uma contribuição tributária fixa ao Estado. O segmento contribui, ainda, para a geração de emprego, sendo responsável por 50 mil contratações em 2020.
A decisão do Congresso em manter o SIMPLES é justa, está de acordo com o que reza a Constituição e respeita o pacto federativo, além de corroborar que o regime tributário diferenciado para as pequenas empresas não é privilégio. Pelo contrário, importante entender que fomentar o empreendedorismo e criar mecanismos que desburocratizem o pagamento dos tributos é uma forma eficaz de fomentar a competitividade e criar condições fundamentais para uma economia de mercado forte e alinhada com as necessidades de um país ainda em desenvolvimento.
*Carlos Melles, presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)
Fonte: Estadão