Estudo da ACT mostra que alguns alimentos orgânicos carregam quatro vezes mais impostos do que os convencionais. Texto da reforma tributária aprovado na Câmara não resolve o problema
Por Silvia Pimentel
O sistema tributário brasileiro é prejudicial à saúde. Estudo elaborado pelo economista Arnoldo Anacleto de Campos e a engenheira de alimentos Edna de Cássio Carmelo, a pedido da ACT Promoção da Saúde, mostra que os alimentos in natura, minimamente processados e orgânicos carregam mais tributos na comparação com os alimentos ultraprocessados.
Arnoldo de Campos chama a atenção para o texto base da reforma tributária aprovada pela Câmara dos Deputados, que não modifica essa realidade. Ao contrário, fará com que os ultraprocessados cheguem às mesas dos brasileiros com preços ainda mais atraentes que os alimentos saudáveis.
“Na discussão da reforma tributária não há um recorte para a alimentação saudável. Os preços dos hortifrutigranjeiros e alimentos da cesta básica podem ficar mais caros, pois alguns vão perder os estímulos fiscais atualmente existentes”, alerta.
O texto do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro, garante um regime diferenciado para produtos in natura, que poderão ter uma alíquota 50% menor da alíquota de referência. Ocorre que esses produtos e os minimamente processados, como os hortifrutigranjeiros, apresentam atualmente alíquota zero para vários impostos ou carga tributária reduzida, no caso do arroz e do feijão. Ou seja, com a proposta atual, esses alimentos serão submetidos a uma maior carga tributária e poderão ficar mais caros para a população.
O texto ainda permite que uma lista de produtos ultraprocessados, como achocolatados, macarrão instantâneo, biscoitos recheados e margarina, sejam beneficiados por esse regime diferenciado. Com isso, diversos produtos minimamente processados, como o suco de frutas, serão tributados com a mesma alíquota de refrigerantes e outras bebidas açucaradas.
De acordo com a ACT Promoção da Saúde, no texto substitutivo, agrotóxicos também entram no regime diferenciado, quando deveriam, junto com os ultraprocessados, ter uma tributação aumentada por um imposto seletivo.
O ESTUDO
O estudo avaliou a incidência tributária do Pis, Cofins, contribuições sociais e trabalhistas, da esfera federal, e do ICMS, estadual, cuja alíquota é a que mais pesa sobre os alimentos, em cinco estados: Paraná, São Paulo, Bahia, Distrito Federal e Amazonas.
No grupo de produtos in natura foram avaliados a mandioca, ovos, laranja, banana e cebola. Na categoria de minimamente processados entraram macarrão seco, carnes frescas resfriadas ou congeladas, suco de frutas, leite pasteurizado, UHT e pó, arroz e feijão. Já no grupo de ultraprocessados o estudo analisou a tributação do macarrão instantâneo, da salsicha, nuggets, hambúrguer, achocolatados, bebida láctea e salgadinhos.
Uma das conclusões do trabalho é que os incentivos fiscais federais e estaduais, por meio de reduções ou isenções para alimentos hortifrutigranjeiros e para aqueles incluídos na cesta básica, embora importantes, não asseguram uma redução integral dos tributos sobre os alimentos mais básicos para a população.
AS DISTORÇÕES
São vários os problemas que impedem a redução mais efetiva da carga tributária sobre os alimentos mais saudáveis, entre os quais os diferentes formatos jurídicos existentes na legislação, a etapa em que se encontra a mercadoria ou serviço no circuito da cadeia produtiva e as regras estabelecidas no recolhimento dos tributos.
As empresas que adquirem alimentos in natura ou minimamente processados diretamente de produtores rurais sofrem com a cumulatividade dos impostos. Todas as saladas e legumes in natura e minimamente processados analisados no estudo tiveram cargas tributárias embutidas no preço final aos consumidores.
A situação é ainda pior para as empresas optantes pelo Simples Nacional, que não usufruem de créditos na compra e ainda têm que pagar o ICMS que está embutido na alíquota única. Os compradores de produtos oferecidos por empresas optantes do Simples Nacional não podem se creditar de ICMS na compra, em função de regras específicas para esse tipo de formato jurídico, em mais uma distorção do sistema tributário.
O estudo aponta, também, distorções na cobrança do IPI, que tem grande potencial para ser um instrumento capaz de diferenciar a tributação entre os alimentos in natura e minimamente processados, comparativamente aos ultraprocessados.
Pela legislação atual, entretanto, essa diferença praticamente não existe, colocando os alimentos in natura e as gorduras vegetais, por exemplo, em pé de igualdade em termos de tributação. Outros exemplos são o arroz e o feijão, que possuem a mesma tributação que o macarrão instantâneo ou nuggets.
ORGÂNICOS
No caso dos alimentos orgânicos, o estudo, que analisou toda a cadeia produtiva desses alimentos, mostra a inexistência de tributação favorecida para os sistemas de produção de alimentos sustentáveis tanto na esfera federal como estadual.
Quando a tributação é avaliada por unidade de produto, o levantamento constatou que os alimentos orgânicos, em algumas situações, carregam quatro vezes mais tributos que os convencionais. No estudo, foi comparada a tributação de um litro de suco de uva orgânica com um litro de néctar de uva convencional.
Isso ocorre porque a produção convencional consegue se apropriar de forma integral de todos os incentivos nas diversas etapas das cadeias produtivas, como a isenção ou redução de alíquotas para sementes, fertilizantes, agrotóxicos e até tratamento diferenciado para a exportação.
BONS EXEMPLOS
O levantamento também identificou boas iniciativas estaduais em favor de uma alimentação mais saudável. É o caso do Selo da Agricultura Familiar no estado da Bahia, em que os produtos com este selo recebem créditos tributários equivalentes às alíquotas do ICMS para os produtos comercializados por cooperativas da agricultura familiar, medida mais eficiente que a isenção pura e simples.
O Acre também adota iniciativa fiscal favorável à comercialização de produtos mais saudáveis por cooperativas locais.
Fonte: Diário do Comércio