Pouco comentado nos debates, esse ponto foi ressaltado pelo advogado tributarista Luís Eduardo Schoueri em evento da ACSP
Por Silvia Pimentel
A criação de um imposto sobre valor agregado (IVA), de abrangência nacional e tributação no destino das mercadorias e serviços, resultado da fusão de tributos federais, como Pis/Cofins, um estadual (ICMS) e um municipal (ISS), é a principal inovação das propostas de reformulação dos impostos sobre o consumo em discussão avançada no Congresso Nacional.
Essa é a análise do tributarista Luís Eduardo Schoueri, vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e coordenador do Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação (Caeft) da entidade.
Em palestra realizada pela Confederação Nacional de Jovens Empresários (Conaje) durante o evento “Feirão do Imposto: Oportunidades e desafios da Reforma Tributária”, o advogado afirmou que o novo tributo será calculado “por fora”, trazendo transparência para o sistema tributário e cidadania fiscal, pois vai permitir aos consumidores saberem exatamente quanto pagam de impostos.
A estimativa de uma alíquota de 25% para o novo IVA, chamado de IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) nas PECs 45 e 110, que servirão de base para um texto a ser apresentado pelo governo ainda no primeiro semestre, é um dos pontos mais criticados, principalmente pelos setores agropecuário, do comércio e serviços, que temem aumento da carga tributária.
O advogado lembrou, entretanto, que a alíquota do atual Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é calculada “por dentro” (quando o tributo faz parte da sua própria base de cálculo). Na prática, com esse método de cobrança – uma peculiaridade do atual sistema tributário brasileiro -, uma alíquota de 18% representa um custo tributário final de quase 22%. “A adoção do cálculo por fora representa a reforma da transparência, pois o ICMS hoje está escondido dos cidadãos”, afirmou.
Na visão do tributarista, desde a Constituição de 1988, a economia vem se desenvolvendo em meio a um fenômeno classificado por ele como “servisificação”, o que explica a queda da base de incidência do ICMS e o aumento da arrecadação do ISS, decorrente da transformação das mercadorias em serviços. “Não faz mais sentido separar em caixinhas a cobrança do ISS e do ICMS”, afirmou.
Um exemplo desse fenômeno é a expansão do mercado de carros por assinatura.
AJUSTES
Embora considere necessária a aprovação de uma reforma tributária, Schoueri chamou a atenção para pontos que merecem ajustes no texto em construção pelo governo, como a questão da não cumulatividade. De acordo com ele, a redação que trata do tema é idêntica à da legislação em vigor, abrindo brechas para a continuidade das discussões intermináveis a respeito dos insumos que dão direito a crédito.
O tributarista também defende mudanças no texto de forma a não condicionar os créditos do imposto ao pagamento das etapas anteriores na cadeia produtiva. A redação atual, de acordo com ele, representa uma armadilha para as pequenas empresas e precisa, portanto, de ajustes.
Sobre o mecanismo do cashback proposto nos textos, que prevê a devolução do novo imposto à população de baixa renda, Schoueri considera boa a ideia, mas não aprova o uso do CadÚnico (Cadastro Único de Programas Sociais) como a base para essa devolução. Para o tributarista, a devolução poderia ser feita por meio dos sistemas do Imposto de Renda da Receita Federal, uma base mais confiável de medição da renda.
O tributarista também não concorda com o prazo de transição, estimado em dez anos, entre o sistema atual e o novo, considerado longo demais. Na sua visão, é necessário definir uma data para virar “a chave”. Dois anos, disse, seria o suficiente.
DÚVIDAS
Também presente ao evento, Magno Karl, cientista político e diretor executivo do Livres, disse não acreditar na aprovação da reforma tributária, debate que teve início há 30 anos e sem resolução. Na sua opinião, o tema enfrenta desafios institucionais e políticos intransponíveis.
“Demoramos 20 anos para aprovar a reforma da Previdência e nunca conseguimos enfrentá-la com a seriedade necessária”, comparou.
Na visão do cientista político, o sistema tributário atual é complexo, custoso e desestimula a atividade empreendedora. “Mesmo assim, há atividades viáveis em meio ao caos, demonstrando que os empreendedores brasileiros são mestres em adaptação e sobrevivência”, disse.
Para Karl, a fragilidade da articulação política, a resistência de setores mais organizados da economia e o receio de que a reformulação do sistema tributário gere ganhadores e perdedores devem impedir o avanço das discussões na velocidade desejada pelo atual governo.
Fonte: Diário do Comércio