Reforma Tributária

Para debatedores, regulamentação da reforma tributária pode ser aperfeiçoada

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Marcos Oliveira/Agência Senado

O projeto de lei complementar que regulamenta a reforma tributária (PLP 68/2024) foi tema da audiência pública promovida nesta nesta terça-feira (13) pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Durante o debate, os participantes defenderam o aperfeiçoamento da proposta — que já foi aprovada na Câmara dos Deputados e atualmente está em análise no Senado.

A audiência foi realizada a pedido do presidente da CAE, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO). O senador Izalci Lucas (PL-DF) conduziu o debate.

O PLP 68/2024 tem o objetivo de regulamentar a reforma tributária definida pela Emenda à Constituição 132. O projeto trata do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto Seletivo (IS).

Muitas exceções

O ex-senador Roberto Rocha, que presidiu uma comissão parlamentar sobre reforma tributária, chamou atenção para a complexidade do tema e defendeu o trabalho dos congressistas na definição dos parâmetros constitucionais da reforma tributária. Para ele, o texto do PLP 68/2024 aprovado na Câmara contém muitas exceções à cobrança do imposto sobre valor agregado — o modelo IVA (imposto sobre valor agregado), a ser implementado sob a forma dos tributos IBS e CBS.

Segundo Rocha, o Senado deverá aproveitar a oportunidade para corrigir essa “extravagância” (a grande quantidade de exceções apontada por ele), sob pena de elevação dos impostos para os mais pobres.

— No Brasil, é verdade, ninguém paga direito: ou paga mais ou paga menos, mas paga. E quem paga mais são os [que pagam] impostos indiretos, aqueles não declaratórios, que não têm carnê, como ICMS, ISS, PIS-Cofins e IPI. Aquilo que você compra no arroz, no gás, na energia, no combustível, no telefone. Estão lá o imposto embutido.

Aécio Prado Dantas Júnior, presidente do Conselho Federal de Contabilidade, também criticou a quantidade de exceções acrescentadas ao texto original do projeto.

— Ao nosso ver, essa expansão compromete o objetivo central da reforma, que é a simplificação do sistema. A introdução de novas complexidades pode dificultar a implementação da gestão tributária — declarou ele.

Mas Bernard Appy defendeu as mudanças feitas na Câmara. Ele está à frente da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda. Segundo Appy, as alterações levarão a uma redução na tributação de alimentos.

— Essa redução é ainda mais expressiva por conta da ampliação da cesta básica. Na proposta original, já haveria uma redução: de uma alíquota média de 17% para 13%. (…) Com o que foi feito pela Câmara, certamente a alíquota (…) vai ser menor que esses 13% — afirmou.

Por outro lado, Appy observou que, diante da necessidade de equilíbrio da carga tributária, o tratamento favorecido a determinados setores levará outros a “pagar a conta” por meio de alíquotas mais elevadas.

Entre as inovações do projeto, Appy chamou atenção para o cashback de tributos (que, segundo ele, irá beneficiar famílias com renda per capita de até meio salário mínimo) e o mecanismo de split payment (que ele considera uma garantia tanto para o adquirente de bens e serviços como para o poder público, que faz o recolhimento dos tributos).

— Estamos com um grupo de trabalho [composto] de técnicos da União, estados e municípios, e do sistema financeiro, que agora, neste segundo semestre, terá um trabalho bastante intenso para deixar esse modelo de pé — informou Appy à senadora Rosana Martinelli (PL-MT).

Imposto seletivo

Gerente de projeto da Receita Federal, Fernando Mombelli explicou como será a incidência de tributos sob as novas regras constitucionais, com destaque para uma inovação: o imposto seletivo.

— Na fabricação de uma cerveja, por exemplo, a incidência desse imposto vai se dar no momento do envase, quando já se está com o produto pronto para o consumidor (…). Depois da saída da fábrica, [depois] da incidência do imposto seletivo, não haverá mais tributação no atacadista, nem no distribuidor, nem no supermercado, nem em nenhum outro ponto da cadeia de comércio. Outro aspecto importante é que é um imposto isoladamente incidente. Ele não dá direito a crédito nem à apropriação de créditos por quem adquire.

Para a pesquisadora Lina Santin, mestre e doutoranda em direito tributário, a aplicação do imposto seletivo pode ser aprimorada, pois, segundo ela, a Emenda à Constituição 132 abre a oportunidade de criação de uma carbon tax (tributação sobre emissões de carbono) no Brasil. Por outro lado, ela criticou a possibilidade de gradação do imposto seletivo sobre bebidas alcoólicas.

— Isso é uma falácia muito grande. Álcool é álcool, não importa o tipo e o teor alcoólico que estejam dentro do recipiente. O que vai definir é o consumo excessivo, ou não, dessa bebida.

Presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional), Mauro José Silva destacou o consenso em torno de um sistema tributário com neutralidade, eficiência e transparência, mas alertou para o risco de que a classe média — que segundo ele já é onerada excessivamente por falta de correção da tabela do Imposto de Renda — seja vítima de um “tarifaço” com a elevação das alíquotas sobre serviços.

— Deixará a classe média de pagar 5%, 6% de imposto sobre os serviços que consome para pagar 10%, 12%? — questionou ele.

Na avaliação de Mauro Silva, se por um lado os empresários que investiram contando com incentivos fiscais foram contemplados com o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, por outro não houve nenhuma proposta de “colchão” para a classe média.

Transição

O presidente do Conselho Federal de Contabilidade, Aécio Prado Dantas Júnior, salientou que há incertezas em torno da implantação da reforma tributária, como as relacionadas à necessidade de gestão de dois sistemas tributários distintos durante o período de transição; ao adiamento de discussões relevantes sobre regulamentação; e à falta de demonstrações práticas sobre o funcionamento dos sistemas de split payment e escrituração pré-preenchida.

No mesmo sentido, o presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Ceará, Fellipe Matos Guerra, previu “dias bem nebulosos” e expressou preocupações operacionais sobre a transição, que, para ele, pode trazer insegurança jurídica.

— Se nós teremos esse período em que haverá a convivência de dois modelos tributários, é muito importante que possamos imaginar qual é o modelo mais racional, que custará menos ao contribuinte, para que ele possa se adaptar com segurança e, dessa forma, cumprir com as suas obrigações.

Comitê de Harmonização

Ana Carolina Brasil Vasques, presidente do projeto Mulheres no Tributário, saudou o consenso a favor da reforma tributária, mas defende ajustes na proposta.

— Existe a previsão da criação do Comitê de Harmonização. (…) No entanto, nós não sabemos quando haverá essa harmonização. E é fundamental que essa interpretação seja única e obrigatória, para que o contribuinte tenha uma segurança de fato, porque nós temos uma cultura do litígio no Brasil. (…) Esse ajuste seria fundamental no texto, para que, toda vez que houver divergência entre IBS e CBS, essa interpretação ocorra de forma única.

Para ela, o Fórum de Harmonização Jurídica é “uma centralização de poder e um excesso de interpretação arrecadatória e fiscalista”. Ana Carolina também cobrou a implementação de um portal de fiscalização de forma integrada.

Diálogo

A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) ressaltou que a reforma tributária é necessária, mas afirmou que cabe aos senadores “trazer o Brasil de verdade para a discussão”.

— Meu país é mais diverso do que se possa imaginar. E a gente está disposto a fazer esse diálogo.

O senador licenciado Efraim Filho (União-PB) destacou a importância da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) para o aprimoramento da qualidade do projeto.

— Não existem mentes brilhantes que, dentro de quatro paredes, consigam visualizar tudo. A oportunidade de dialogar (…) é para trazer estas contribuições.

A senadora Margareth Buzetti (PSD-MT) pediu aos debatedores para “pensar na vida real” das empresas. Já o senador Sergio Moro (União-PR) solicitou mais discussões relacionadas à incidência de tributos sobre o setor de imóveis. Por sua vez, o senador Fernando Farias (MDB-AL) defendeu mais tempo e atenção da CAE para a análise da proposta.

Izalci Lucas, que conduziu a audiência pública, enfatizou que todos os setores envolvidos no debate podem apresentar sugestões para o aprimoramento do texto, mas desde que fundamentadas em bases em dados.

— Pedimos isso com muita ênfase: para que os segmentos que nos procurarem apresentem os seus números. E que [dessa forma] nós possamos chegar à Receita e dizer: “Olha, apresente os seus dados para a gente debater, porque nós queremos contribuir, mas com o mundo real”.

Fonte: Agência Senado

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