É a maior injustiça fiscal e social do Brasil, porque qualquer trabalhador que ganhe R$ 2 mil está pagando imposto, sem nem ao menos conseguir lidar por completo com despesas de alimentação e aluguel — resume o diretor legislativo da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis (Fenacon) Diogo Chamun.
Enquanto aguarda-se para a próxima quarta-feira (23) a chegada de mais uma etapa da reforma tributária ao Congresso, desta vez, sobre o Imposto de Renda (IR), um estudo atualizado do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) dá o tamanho do aperto para os brasileiros em cada acerto com o Leão. É que a diferença entre a inflação oficial medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e a correção das alíquotas da tabela do IR já chega a 113,09% em 25 anos.
Isso significa que desde 1996, quando passou a vigorar o atual sistema de tributação, ano após ano, os contribuintes, já bastante castigados pelos efeitos inflacionários na capacidade de compra, precisam arcar com mais uma mordida sobre os rendimentos. E sempre mais doída do que nos 12 meses anteriores.
— É a maior injustiça fiscal e social do Brasil, porque qualquer trabalhador que ganhe R$ 2 mil está pagando imposto, sem nem ao menos conseguir lidar por completo com despesas de alimentação e aluguel — resume o diretor legislativo da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis (Fenacon) Diogo Chamun.
Por esta razão, o texto do governo federal, prometido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para esta semana, já nasce tomado de expectativas. E a falta de equiparação da correção da tabela do IR (109,63%) com o índice de inflação (346,69%) não é o único fator de achatamento da renda dos contribuintes ao longo do período.
Para se ter uma ideia, a faixa de isenção, hoje fixada nos rendimentos abaixo de R$ 1.903,98, correspondia a nove salários mínimos em 1996. Atualmente, não estão obrigados a declarar apenas aqueles que recebem menos do que o equivalente a 1,73 salário mínimo. Caso a correção fosse indexada ao IPCA, a renda tributável seria, segundo o Sindifisco, de R$ 4.022,89, ou seja, um valor 111,3% superior ao atual piso.
O resultado é que, com o passar do tempo, um quantitativo cada vez maior da população foi alçado às faixas tributáveis. Estima-se, de acordo com o Sindifisco, que o universo supere os 10,5 milhões de brasileiros. São milhões de pessoas obrigadas a pagarem o imposto, mas que numa situação de devolução de perdas inflacionárias estariam isentas.
A consequência dessa equação é um contingente crescente de declarações anuais do IR, que também eleva a arrecadação federal. O impacto fica mais evidente no decorrer dos últimos cinco anos. É que desde 2016 não há reajuste algum na tabela — nesse período, o IPCA acumula alta de 21,78%. Assim, o número de declarações do IR saltou 14%, passando de 27,9 milhões, em 2016, para 31,9 milhões, em 2020.
Chamun diz que essa é uma maneira “invisível” de aumentar a arrecadação, sem a necessidade de enfrentar o desgaste com a sociedade e a opinião pública:
— É como se os governos não pedissem o aumento, mas simplesmente se omitissem de atualizar a tabela do IR, o que dá no mesmo.
O problema é que não existem fórmulas mágicas. O que hoje ingressa nos cofres públicos da União, amanhã deixa de circular em bens de consumo. Este fator também influencia, mas, desta vez, negativamente, a arrecadação federal.
Um estudo de 2017, feito em parceria entre a Fenacon e a PUCRS, revelou que a implicação desse “confisco” no bolso dos trabalhadores chegou a R$ 38 bilhões. O montante, que representa quase 40% dos R$ 97 bilhões arrecadados naquele ano, foi retirado de circulação e impactou em 0,2% o Produto Interno Bruto (PIB) projetado para 12 meses, naquele momento.
O mesmo levantamento cravou um prejuízo de 240 mil empregos em razão da defasagem na tabela do IR. Por outro lado, caso a correção fosse feita, o PIB teria dilatação proporcional de 0,44%. Segmentos como imobiliário, alimentação, bebidas e vestuário seriam diretamente turbinados, com crescimentos de 1,05%, 0,96%, 0,94% e 0,86%, respectivamente, em igual período.
Entenda o histórico de defasagens
- Em 1996, os valores da tabela do Imposto de Renda, antes fixados em Unidades Fiscais de Referência (Ufir) foram convertidos em reais. Também houve a supressão de uma das faixas de incidência, cuja alíquota era de 35%
- Em 2002, a Lei 10.451/2002 autorizou a nova progressão com reajuste de 17,5%. Nos anos seguintes, em 2003 e 2004, não houve reajuste. Em 2005, a Lei 11.119/2005, corrigiu a tabela em 10%. Em 2006, o reajuste foi de 8%
- De 2007 a 2014, os reajustes, sempre definidos por lei, foram de 4,5% ao ano. Inaugurava-se assim a lógica da correção anual da tabela do IR pelo centro da meta da inflação, a partir da aprovação da Lei 11.482/2007
- Somente em 2015, com a inflação medida pelo IPCA em 10,6%, a defasagem na correção da tabela do IR foi de 4,81%. No mesmo ano, com a Lei 13.149/2015, o reajuste foi escalonado entre 5% a 6,5% de acordo com as faixas tributáveis
- Desde então, em 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 não houve correção, fator que elevou a defasagem de 83%, no acumulado até 2015, para 113,09% atualmente
Projetos buscam compensar falta de reajuste
Em paralelo à reforma tributária existem, pelo menos, três projetos de lei (PL) com tramitação avançada no Congresso Nacional. O mais adiantado é o PL 6.094/2013, que na quarta-feira passada (16) ingressou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. A proposta reajustaria os valores das tabelas progressivas mensais do Imposto de Renda de pessoas físicas associadas à inflação, mas apenas a partir de 2015, ano em que foi verificada a última correção.
Para o diretor da Delegacia Sindical do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) em Porto Alegre, Ronaldo Loureiro, o mérito é “interessante”, mas não ataca a totalidade do problema. Isso porque, das perdas que já atingem 113,09%, o PL devolveria apenas 31,92%, referente aos últimos cinco anos.
Por outro lado, o texto mexe com algo que pode ser, na avaliação de especialistas, tão nocivo aos trabalhadores quanto a defasagem da tabela. Trata-se da omissão dos governos no regramento das chamadas deduções. Loureiro explica que a correção da defasagem deveria ser aplicada também em outras deduções previstas na legislação do Imposto de Renda, especialmente às deduções com dependentes e às despesas com educação.
Além disso, dois projetos — um na Câmara (PL 3129/2019), outro no Senado (PL 19.052) — chamam a atenção. Ambos possuem princípios bastante parecidos e aumentam os limites de isenção. O do Senado, para cinco salários mínimos, com alíquota de 27,5%. Ou seja, não há uma atualização da tabela propriamente dita, e sim um acréscimo para a isenção, elevando-se a alíquota a um novo teto de 35%. Na prática, cobra mais de quem ganha mais e ajusta o Imposto de Renda nas empresas, revogando a isenção para lucros e dividendos.
Isso ocorre porque a defasagem na correção da tabela prejudica de modo mais incisivo aqueles cuja renda tributável mensal é menor. Para quem recebe R$ 5 mil por exemplo, a não correção da tabela impõe um recolhimento mensal de R$ 432,36, ou seja, 589,98% a mais do que que deveria ser. Já os contribuintes com renda mensal tributável de R$ 10 mil pagam 108,85% a mais, segundo projeções do próprio Sindifisco.
No PL 3129/2019, a isenção fica na faixa de até quatro salários mínimos. Em contrapartida, amplia-se a graduação da tabela com faixas que variam de 15% até 37%. Sendo assim, ao reduzir as alíquotas do IR, passa a tributar a distribuição de dividendos das empresas. Em síntese, são ideias parecidas com estruturas de alíquotas um pouco diferente.
O diretor legislativo da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis (Fenacon), Diogo Chamun, explica que, sempre em que há alteração de alíquotas, é preciso, antes de mais nada, prever uma compensação para a arrecadação. Neste caso, a bola da vez é, justamente, a distribuição de lucros e dividendos das empresas.
O problema é que a isenção desses recursos já faz parte de outra equivalência, estabelecida em 1996, justamente por ocasião da alteração do sistema do Imposto de Renda, até aquele momento indexado à chamada Ufir (Unidades Fiscais de Referência). E é justamente nesse o ponto em que o texto da aguardada reforma tributária deverá encontrar dificuldades.
— A reforma é uma intenção do governo. A proposta tem quatro etapas e uma delas trata do Imposto de Renda. Só que junto com esse projeto, existem mais de 10 projetos que tramitam com o mesmo teor, o que torna a divisão e tramitação ainda mais complexa — comenta Chamum.
Entenda a defasagem nas deduções
- Dependentes: o desconto por dependente, atualmente de R$ 189,59 por mês, o equivalente a R$ 2.275,08 ao ano, deveria estar em R$ 404,02 mensais ou R$ 4.850,4 anuais
- Educação: pela tabela válida em 2019, foi permitido deduzir até R$ 3.561,50. Para repor a defasagem inflacionária até o final deste ano, faz-se necessária a correção desse valor para R$ 7.589,61
- Saúde: a parcela da renda do contribuinte gasta com medicamentos, indispensáveis, não deveria ser tributada, pois pelo Princípio da Capacidade Contributiva, a tributação deve ocorrer somente após deduzidas as despesas necessárias à sobrevivência
- Moradia: a moradia é um direito social assegurado pelo Artigo 6º da Constituição Federal. Até 1988, era permitida a dedução dos aluguéis residenciais e dos juros da casa própria. Hoje, quem recebe aluguel deve tributar o rendimento, mas quem paga não pode deduzi-lo
Fonte: Zero Hora