A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) ouviu nesta quarta-feira (30) especialistas na área tributária e representantes do setor de serviços. Eles criticaram vários pontos da proposta de emenda à Constituição da reforma tributária (PEC 45/2019) que está no Senado. Concordam que a modernização do sistema de tributos do Brasil é bem-vinda e necessária. Mas, na forma como se encontra, o texto da PEC pode aumentar alíquotas, concentrar na União o poder arrecadador e excluir incentivos a setores importantes, como o de serviços.
A realização do debate atendeu a requerimento de vários senadores. A sessão foi aberta pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), presidente do colegiado, e conduzida pelo senador Efraim Filho (União-PB), coordenador do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária na CAE.
No começo do debate, o deputado federal Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), que se especializou no tema, fez comparações entre a base tributária do Brasil e a de outros países, ressaltando que o modelo predominante no mundo onera mais a renda e o patrimônio do que o consumo de bens e serviços, como se faz no sistema brasileiro. Ele discorda da avaliação de que os efeitos da reforma tributária vão recair sobre “as empresas”.
Hauly atribuiu ao “manicômio tributário” brasileiro, inaugurado na década de 1960, o aumento da tributação e da sonegação e o baixo crescimento econômico verificado desde então. Ele apelou ao Parlamento para consertar o erro do passado e acompanhar os 174 países que adotam o modelo do imposto sobre valor agregado (IVA).
— Não aprovar o IVA agora será condenar o Brasil ao não crescimento econômico. Não há outra saída — afirmou.
Saneamento
O diretor-executivo da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços de Água e Esgoto, Percy Soares Neto, avaliou que a reorganização do setor de saneamento e a manutenção dos investimentos no setor dependem da reforma tributária. Atualmente, conforme ressaltou, a carga média de tributos sobre água e esgoto é de 10%, mas é preciso uma “equalização” para evitar a forte elevação de tributos sobre o setor e manter os planos de universalização do serviço.
— É possível um aumento de cerca de 20% na conta d’água. Não seria bom que a reforma tributária fosse responsável pelo aumento da conta de água do cidadão. Senão, a gente acaba tendo uma redução no ritmo de investimento no setor, o que pode ser o mais cruel — previu.
Soares Neto disse que há uma cobrança das concessionárias de saneamento para que sejam enquadradas na reforma tributária junto com o setor de saúde, pois suas pautas não podem ser dissociadas. Ele apresentou dados que indicam uma elevação do produto interno bruto (PIB) em R$ 1 trilhão em decorrência da universalização do saneamento até 2033.
O vice-presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Juliano Griebeler, também argumentou que o ensino privado precisa de uma visão “diferenciada” na reforma tributária. Além da manutenção da carga de tributos atualmente vigente, o setor pede a preservação do Programa Universidade para Todos (ProUni) e a imunidade tributária para os livros. Ele lembrou que o número de jovens brasileiros na universidade ainda é baixo para os níveis dos países membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Riscos
O professor de direito tributário, Roque Antônio Carrazza, apoia a necessidade e a urgência de uma reforma no sistema tributário. Mas advertiu que a emenda à Constituição não terá como infringir as prerrogativas de estados e municípios e os direitos e as garantias do contribuinte. Entre outros problemas citados por ele, a reforma gera uma hipertrofia financeira da União, obrigando as entidades subnacionais a “rezar pela cartilha” federal.
— Caso esse ponto não seja repensado, na prática, os estados, os municípios e o Distrito Federal serão reduzidos a condição de meras satrapias, a exemplo das satrapias da antiga Pérsia; ou se quisermos, na prática, serão transformados em autarquias territoriais — avaliou.
Carrazza disse que a União teria um “cheque em branco” com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que não tem uma abrangência definida, e somente o setor financeiro seria efetivamente desonerado. Respondendo a questionamentos dos senadores, ele acrescentou que o imposto seletivo sobre produtos que prejudicam a saúde poderá resultar em um “novo IPI” [referindo-se ao Imposto sobre Produtos Industrializados, a ser extinto com a reforma] em benefício da União se os alvos da tributação não forem definidos em lei complementar.
O presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Rodrigo Keidel Spada, alertou para as disfuncionalidades do atual sistema tributário. Ele manifestou esperança em um sistema de tributação mais progressivo, capaz de levar o país a um novo patamar de produtividade e geração de renda. Porém, ele vê efeitos deletérios da reforma sobre as finanças dos estados, que podem sofrer sucateamento da máquina arrecadatória e consequente aumento da sonegação e da inadimplência.
— O que está escrito na PEC é que será mantida a arrecadação de todos os entes federados. Se há um desincentivo em arrecadar, mas é preciso manter a arrecadação, a alíquota vai crescer ano a ano, onerando os bons contribuintes e provocando uma concorrência desleal — avaliou.
Conselho Federativo
A senadora Augusta Brito (PT-CE) questionou a efetividade do equilíbrio dos estados no Conselho Federativo (órgão a ser criado para gerir a distribuição do IBS) e a capacidade do Fundo de Desenvolvimento Regional (FNDR) de permitir a manutenção de incentivos setoriais. Em resposta, Luiz Carlos Hauly salientou a negociação sobre a manutenção do FNDR, mas alertou que a transição não será feita sem custos. Já Roque Carrazza prevê um domínio da União sobre o Conselho Federativo, além do aumento da “litigância tributária”.
Ao comentar a desoneração da folha de pagamento, Efraim Filho citou que renúncias fiscais representam R$ 9 bilhões, mas geram R$ 30 bilhões em economia de recursos. Ele manifestou esperança de que, na segunda fase da reforma tributária, que tratará do patrimônio e da renda, possa ser extinto o “equivocado” imposto sobre folha de pagamento.
— Ele passa uma mensagem contraproducente: quanto mais emprego eu gerar, mais impostos eu vou pagar. A desoneração da folha de pagamento procura corrigir isso, mas não alcança todos os setores.
O senador Sergio Moro (União-PR), entre outras questões, cobrou uma avaliação sobre possível conflito entre o modelo do cashback e o da desoneração da cesta básica. O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), que defendeu a isenção total do setor educacional, disse que gostaria de ver na reforma tributária um “primeiro passo” na fiscalização dos recursos aplicados.
— Sei da competência do governo para arrecadar, mas a decepção é muito grande quando você acompanha a aplicação dos recursos. Por isso a reforma tem muita resistência: há um esforço muito grande de pagamento, mas não tem os retornos — protestou.
O senador Mauro Carvalho Junior (União-MT) repercutiu dúvidas sobre a dimensão da carga tributária, os meios de fiscalização e a manutenção do regime de substituição tributária hoje aplicado sobre bebidas.
Fonte: Agência Senado
Fonte: Agência Senado