Reforma Tributária

‘Reforma tributária não pode só atender ao Fisco, tem que olhar o contribuinte’

Compartilhe

Um dos autores do PLP 48, o deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA) detalhou sua proposta de regulamentação da reforma

Por Karina Lignelli

Alguns parlamentares do Congresso Nacional vêm se movimentando nos últimos dois meses para criar uma nova redação para o PLP 68 da reforma tributária, apresentado pelo governo em 25 de abril. 

Na versão atual, o projeto impõe às empresas a responsabilidade de comprovar o recolhimento do IVA nas etapas anteriores, transformando-as em uma espécie de “fiscais”, e tornando o tributo cumulativo.

Para mudar esse viés “pró-fisco”, conforme diz, o deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), apresentou os PLPs 48 e 50: além de garantir tributação diferenciada e alíquotas reduzidas de acordo com a especificidade de cada produto ou serviço, a nova proposta promete garantir a neutralidade e a não-cumulatividade tributária, já que os tributos não comporão a base de cálculo das etapas posteriores da cadeia produtiva. Os contribuintes também terão direito à crédito presumido em produtos e serviços. 

Mas, apesar da previsão de apresentar a nova redação até metade de julho, o projeto ainda exige ajustes – como na questão dos prestadores de serviços que, pela própria natureza da atividade, precisariam de uma outra formulação em relação aos créditos. Ou no split payment e seus impactos no varejo. 

Na última sexta (14), Passarinho esteve na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), onde, junto ao presidente Roberto Mateus Ordine, e a Alfredo Cotait Neto, presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), recebeu representantes de cerca de 20 entidades do comércio e serviços para ouvir sugestões a serem acrescentadas à nova redação. 

“Não se pode jogar toda a carga no contribuinte. Há uma visão meramente fiscal, arrecadatória. Mas agora teremos a de quem paga, e nós vamos tentar juntar tudo para chegar a um meio termo”, destacou o parlamentar. Na ocasião, ele recebeu das mãos do presidente Ordine um compilado de reportagens e artigos sobre a reforma tributária publicados no Diário do Comércio desde 05/10/2023. 

A seguir, Passarinho detalha um pouco mais a nova proposta, e como ela pode impactar os diferentes setores da economia:

DC – Quais são os problemas do PLP 68 que levaram à criação deste substitutivo (PLP 48)? 

Joaquim Passarinho – Esse projeto foi totalmente construído dentro do Fisco, dentro da Receita, sem participação da sociedade. O PLP 68 tem esse condão de trazer uma visão meramente fiscal, meramente de quem arrecada. E criamos essa opção de trazer a visão do pagador de imposto para esse projeto, mostrar a dificuldade que ele tem.

O Fisco tem dificuldade de fiscalizar, de correr atrás de fraude, mas ele não pode fazer o bom pagador ser penalizado por isso. Não pode mais ter essa mão muito pesada em cima para tentar acabar com as fraudes. E é importante que elas acabem, pois isso diminuiria as alíquotas para o povo brasileiro. 

Não se pode jogar toda a carga no contribuinte, por isso estamos indo aos Estados, recebendo em Brasília e ouvindo reclamações de quem paga o imposto. Há uma visão meramente fiscal, arrecadatória, agora teremos a de quem paga, e nós vamos tentar juntar tudo para chegar a um meio termo.

Como? 

O PLP 68 do governo está sob a nossa responsabilidade, sete deputados e um grupo de relatores que estão trabalhando nesse projeto. São quase 500 artigos, que mexem com todo arcabouço tributário do Brasil, em uma diversidade não só regional, como de setores. Então, estamos olhando ponto a ponto.

O nosso projeto traz uma base principal que é a não-cumulatividade: hoje o brasileiro paga imposto sobre imposto, não sabe nem o que está pagando, o imposto está embutido… Agora vai ter o imposto separado. Se você quiser pagar sua mercadoria para um lado, e o imposto direto para o governo, pode. Se quiser pagar junto, pode; se quiser pagar separado, melhor ainda.

Então você vai saber o quanto paga para o Fisco, e essa que é a parte boa: é a simplicidade. Porque hoje temos um dos piores arcabouços fiscais do mundo, fora as normatizações, as portarias que a Receita Federal faz todo dia… Então nós vamos acabar com isso para fazer uma lei autoaplicativa. 

Quais outros pontos que o senhor destaca para aperfeiçoar? 

Primeiro, por exemplo, a cesta básica, que veio sem proteína. Não existe cesta básica sem proteína. Não existe a construção civil como está sendo tratada, de uma maneira como se fosse um produto. Ela não está em um sistema de débito e crédito, como o do setor produtivo, pois não vai acumular imposto.

Em outros setores, o imposto pago nos seus insumos é recuperado na venda do produto, e isso vai até o consumidor final. Quem estiver no meio da cadeia paga, depois recupera o imposto de volta.

Do jeito que está, alguns setores terão dificuldades, como é o caso da construção civil, que paga agora e pode receber só daqui a 15 anos, porque o processo é longo. Isso não foi visto pela Receita. Quando começamos a ouvir a construção civil, também começamos a ouvir os hospitais, as locadoras.

O que vocês tentarão mudar no caso dos prestadores de serviço?

Do jeito que está, quem trabalha com contratos de longo prazo – como a construção civil – terá muitos problemas. Por isso nós estamos avaliando caso a caso. As pessoas estão trazendo a sua realidade, e nós estamos conversando com os técnicos da própria Câmara, e os técnicos da Receita todos os dias para ver como resolver o problema. E também sobre como fazer principalmente na transição entre os sistemas.

Vamos conviver um tempo com o sistema atual, que já é o pior do mundo, e com o novo sistema. Vai dar uma boa dor de cabeça, então estamos tentando ajustar um pouquinho para ela não ser tão grande.

Outro projeto de sua proposição é o PLP 50. O que ele modifica nesse caso?

Além desse principal (PLP 68), também estamos propondo alterar o PLP 108, que veio falando do Comitê Gestor do IBS (Imposto Sobre Bens e Serviços) e sobre a fiscalização (sobre a distribuição do que é arrecadado para os entes federativos), que é outra coisa muito importante. 

Imagine estar trabalhando como base do projeto pagar imposto só do consumo. Então você vai ter a Receita Federal fiscalizando, a Receita do estado onde se fabricou fiscalizando, a Receita do estado onde você vendeu fiscalizando, a Prefeitura de onde foi vendida a mercadoria fiscalizando…

Então são quatro entes, no mínimo, fiscalizando, e todos os Estados demonstrando interesse no que será distribuído depois… Como todo mundo pode fiscalizar, vai ficar uma loucura. 

Então esse projeto define quem fiscaliza quem, qual é a competência de cada ente desses fiscalizando. E o principal é: se já foi fiscalizado por um ente, por mais que tenha dúvida de quem pode fiscalizar, o outro não pode. Em tese é o mesmo imposto, vai para o mesmo lugar. Não pode ter dupla interpretação. 

Como fica o split payment no PLP 48, já que pode impactar o caixa do varejo? 

É o grande problema do split payment: você compra e vende, pagou o imposto aqui e recuperou quando vendeu. Mas se você demorar muito a vender, vai ter um problema na devolução do seu imposto.

E se você pagou o seu fornecedor e o seu fornecedor não pagou o imposto, você pode ter problema lá na frente. O Fisco só vai compensar quando o seu fornecedor pagar. O sistema está dando abertura para aquilo que nós conversamos agora: se quiser pagar os dois separados, pago o produto e, em outra guia, o imposto direto. Isso garante que eu não precise que meu fornecedor, que é outro elo da cadeia, seja honesto. Se já paguei o imposto, tenho direito de receber de volta.

Mas esse é um sistema que não existe, né? Nós estamos criando esse sistema, ele está em formatação. E ele precisa funcionar. E para isso que nós colocamos agora outra novidade: a garantia de que se o sistema não funcionar, não é culpa do pagador de imposto. Ele tem direito ao crédito dele. Por mais que não consiga ver se pagou o imposto, ele terá direito a restaurar esse imposto normalmente.  

Como está o andamento desses PLPs? Tem projeção de data para votação?

Tem até data. Estamos ouvindo a todos há duas semanas. Vamos para a terceira semana de oitivas, estamos rodando o país também, falando com as pessoas… Enquanto isso, o projeto está sendo formatado pelos técnicos, não só da Receita, mas pelos nossos assessores e os da Câmara.

Entre os próximos dias 20 e 30 será a parte operacional, para produzir o texto, porque não queremos apresentar só na hora da votação. A nossa ideia é apresentar lá para 13 ou 14 de julho e votar uma semana depois, para as pessoas lerem com calma, fazerem alguma crítica e a gente, um ajuste fino. 

Com alguns ajustes, a reforma pode fazer o varejo ficar ‘mais tranquilo’?

Eu acho que ninguém vai ficar, porque é uma mudança. Apesar do nosso manicômio tributário, o varejista acostumou, dominou o ‘bicho-papão’, né? Ele conseguiu administrar o monstro, apesar da complexidade. Ele toma susto de vez em quando, mas já está acostumado. Agora é um novo susto.

Estamos tentando fazer o máximo possível sobre a alíquota básica, porque a gente só fala dos regimes especiais. Mas a preocupação é com a alíquota que o povo inteiro vai pagar, e nossa responsabilidade é equalizar isso com os números do governo, e baixar a alíquota geral, que é muito alta. Dos IVAs que têm no mundo, acho que o nosso vai ser o IVA mais alto.

Não adianta né, o sistema tributário no Brasil não foge disso… 

Mas, mesmo assim, em vista do que se paga hoje, a carga tributária do Brasil é de 34%, e com o IVA não vamos passar de 26%. Então temos um ganho aí. Mas na verdade, para ficar na média, alguém vai pagar menos, e alguém vai ter que pagar mais. E na minha opinião, quem vai pagar mais é o pessoal de Serviços, porque eles têm menos crédito para compensar. Eu prestei serviço para o cidadão direto, e não tem para quem mandar para trás. Não é igual ao varejo, onde o imposto ‘anda’, tem vários elos na cadeia e deságua no consumidor final. Não vai pagar os cinco (impostos), paga só um. E isso é bom. 

Porque o contribuinte não sabe o que está pagando, ele paga sem saber, paga uma caneta e está lá embutida uma boa parte de imposto que não se sabe quanto é. Mas ele vai ter o preço da caneta e do imposto, que não passa de 26,5%. É um número hipotético, não é um número real, tem que ser daí para baixo. E ele vai ter noção para acompanhar, inclusive quanto o produto custa em impostos. 

E se ele tiver dúvida, e não quiser que aquele dinheiro possa cair para empresas ou empresários inescrupulosos, ele diz assim: ‘eu quero pagar o imposto por fora’. Ele tem esse direito, pagar o produto e o imposto por fora, que vai direto para a mão do governo. Isso também evita a sonegação. 

Essa é a reforma tributária ideal?

Eu acho que é a possível. Entre sonho e realidade, nós temos que chegar no que é possível, e num primeiro momento, acho que é o melhor que a gente tem. Agora, é muito preocupante por ser uma mudança, mas tenho que começar a raciocinar diferente do que eu raciocino agora. Se pegar a reforma e botar na cabeça de quem paga imposto hoje, vai odiar a reforma. Mas, para dar certo, a gente tem que parar, esquecer tudo que está fazendo até hoje e começar a pensar diferente.

Fonte: Diário do Comércio

IMAGENS: Karina Lignelli e César Bruneli

Mais Fenacon