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Câmara aprova suspensão da dívida do Rio Grande do Sul por três anos

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O estoque da dívida gaúcha com a União está em cerca de R$ 100 bilhões e com a suspensão, o estado poderá direcionar cerca de R$ 11 bi para as ações de reconstrução

Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (15) o projeto que suspende os pagamentos de 36 parcelas mensais da dívida do Rio Grande do Sul com a União para o dinheiro ser aplicado em ações de enfrentamento da situação de calamidade pública provocada pelas chuvas nas últimas semanas. A matéria será enviada ao Senado.

De autoria do Poder Executivo, o Projeto de Lei Complementar 85/24 foi relatado pelo deputado Afonso Motta (PDT-RS), que fez pequenos ajustes na redação original.

Embora o texto tenha surgido para esta situação específica das enchentes, a mudança beneficiará qualquer ente federativo em estado de calamidade pública futuro decorrente de eventos climáticos extremos após reconhecimento pelo Congresso Nacional por meio de proposta do Executivo federal.

Afonso Motta defendeu a suspensão da dívida do governo gaúcho. “A tragédia incalculável que se abateu sobre o Rio Grande do Sul prova sem sombra de dúvida que é necessário haver um dispositivo legal autorizando o governo federal a refinanciar as dívidas dos Estados eventualmente atingidos por calamidades públicas”, disse, ao ressaltar que a proposta não é restrita ao caso gaúcho, mas a estado e município com calamidade pública decretada.

O deputado Jilmar Tatto (PT-SP) lembrou que a proposta não privilegia apenas um estado, porque a autorização é para todos estados e municípios em casos de calamidade pública. “É uma medida responsável e não existe privilégio a um estado apenas.”

O estoque da dívida gaúcha com a União está em cerca de R$ 100 bilhões atualmente e, com a suspensão das parcelas, o estado poderá direcionar cerca de R$ 11 bilhões, nesses três anos, para as ações de reconstrução em vez de pagar a dívida nesse período.

No entanto, há que se observar a possibilidade de queda da arrecadação do estado devido à situação persistente de paralisia da atividade industrial e comercial em várias áreas do estado. É essa receita de arrecadação que normalmente o Rio Grande do Sul usa para pagar as parcelas da dívida com a União.

Em 2023, o superávit orçamentário do estado foi de R$ 3,6 bilhões, semelhante ao de 2022 (R$ 3,3 bilhões).

Segundo dados do portal Tesouro Nacional Transparente, entre 2021 e 2023, a União repassou ao Rio Grande do Sul, por força de dispositivos constitucionais ou legais cerca de R$ 8,8 bilhões, ligados, por exemplo, a royalties (recursos minerais e hídricos), parcela Cide-Combustíveis, repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE), restituições da Lei Kandir e outros não vinculados a uma finalidade específica, como Fundeb.

Essas receitas e a adesão do estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) em 2022 ajudaram a equilibrar suas contas.

Regras
O PLP 85/24 prevê, para esse caso e para outros vindouros, a suspensão do pagamento das parcelas (principal mais juros) por até 36 meses em calamidades provocadas por eventos climáticos extremos.

Durante o período a ser fixado em decreto, a dívida não sofrerá incidência de juros do refinanciamento fixado em 4% ao ano pela Lei Complementar 148/17, valendo inclusive se o estado estiver no RRF, que tem condições especiais.

Por outro lado, o montante que deixou de ser pago continuará a ser atualizado monetariamente pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Essa lei complementar prevê a correção total das dívidas com a União pelo menor de dois índices: IPCA mais 4% ao ano (juros) ou variação da taxa Selic, comparados mensalmente.

Como o projeto suspende o pagamento das parcelas e isenta esses valores da incidência de juros de 4%, a correção pelo IPCA não estará mais limitada à Selic durante esse período.

Todos os valores cujos pagamentos foram suspensos serão contabilizados à parte e incorporados ao saldo devedor depois do fim da suspensão, sem extensão do prazo total de refinanciamento.

Haverá atualização pelos encargos financeiros contratuais normais, trocando-se os juros do período pela taxa zero.

Termo aditivo
Todas as condições especiais em função de calamidade por eventos climáticos extremos deverão ser pactuadas em termo aditivo a ser assinado em até 180 dias após o encerramento da vigência do estado de calamidade pública.

Caso o termo aditivo não seja celebrado nesse prazo, as dívidas com pagamento suspenso serão recalculadas com os encargos contratuais normais, as taxas de juros originais dos contratos ou as condições financeiras aplicadas em função de regime de recuperação fiscal.

Plano de enfrentamento
Os valores das parcelas com pagamento suspenso, corrigidos com base nas taxas de juros originais dos contratos ou segundo as condições do RRF, deverão ser direcionados a um fundo público específico a ser criado pelo ente federativo beneficiado. Assim, os juros não contam para a retomada do pagamento suspenso, mas devem entrar no montante a ser aplicado nas ações de reconstrução.

Esse dinheiro do fundo deverá ser direcionado integralmente a um plano de investimentos em ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes da calamidade pública e de suas consequências sociais e econômicas.

O ente federativo beneficiado terá 60 dias, contados do reconhecimento do estado de calamidade pública, para encaminhar ao Ministério da Fazenda o plano de investimentos com os projetos e as ações a serem executados com os recursos de dívidas suspensas, inclusive as operações de crédito que pretende contratar.

Caso o ente federativo não use os valores suspensos do serviço da dívida nas ações propostas, a diferença entre o que deveria ser utilizado e o que foi efetivamente gasto deverá ser aplicada em ações a serem definidas em ato do Executivo federal.

Outra exceção prevista no texto permite ao governador ou prefeito beneficiado com a suspensão enviar relatório específico ao Ministério da Fazenda pedindo autorização excepcional para criar ou aumentar despesas correntes ou renúncias de receitas que não estejam relacionadas ao enfrentamento da calamidade pública.

Sem IPCA
No âmbito do regime de recuperação fiscal, do qual o Rio Grande do Sul faz parte, todas as despesas primárias (exclui despesas com juros) devem ser limitadas ano a ano à variação do IPCA.

Para o caso específico das despesas bancadas com as parcelas suspensas da dívida junto à União e das despesas bancadas com empréstimos, o texto dispensa esse limite porque os recursos serão utilizados em ações de enfrentamento dos danos.

De igual forma, os participantes do RRF não precisarão incluir as despesas bancadas com o dinheiro reservado da suspensão da dívida nas metas e compromissos fiscais assumidos com o governo federal para aderir à recuperação fiscal.

Operações de crédito
Quanto aos empréstimos (operações de crédito), a mudança na Lei Complementar 159/17 não faz referência à calamidade pública provocada por eventos climáticos extremos para permitir aos participantes do RRF contraírem empréstimos enquanto estiverem nesse regime, fazendo referência apenas à calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional por meio de proposta do Executivo federal.

As despesas devem ser usadas em ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes de calamidade pública e de suas consequências sociais e econômicas, mas poderiam, assim, referir-se a qualquer situação de calamidade, como uma nova pandemia, por exemplo.

Responsabilidade fiscal
Já na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), outra mudança é mais abrangente. Atualmente, essa lei proíbe um ente da Federação de realizar empréstimos junto a bancos de outro ente se for para financiar, direta ou indiretamente, despesas correntes (funcionalismo, água, luz, serviços).

Com a mudança proposta, poderão ser financiadas despesas correntes se for para estruturar projetos ou para garantir contraprestações em contratos de parceria público-privada ou de concessão. No entanto, valerá não somente para situações de calamidade pública.

Certas modelagens de parcerias público-privadas preveem, por exemplo, o pagamento de uma contraprestação pelo poder público em troca do investimento do parceiro privado, o que caracteriza uma despesa corrente. E isso poderá ser custeado com empréstimos de banco estatal.

Publicidade e relatórios
Quanto aos mecanismos de publicidade e transparência no gasto dos recursos liberados com a suspensão da dívida, o ente federativo beneficiado deverá demonstrar como foram aplicados, correlacionando as ações desenvolvidas e os recursos não pagos à União, sem prejuízo da supervisão dos órgãos de controle competentes.

Após 90 dias do encerramento de cada exercício, deverá enviar relatório de comprovação de aplicação dos recursos.

Ações judiciais
O PLP 85/24 impõe como condição para a assinatura do termo aditivo a suspensão, por parte do ente beneficiado, de qualquer ação judicial existente e o compromisso de não propor ações questionando as dívidas ou contratos ou mesmo a execução de garantias ou contragarantias da União contra o ente pela falta de pagamentos.

Isso valerá enquanto durar a suspensão das parcelas da dívida e no que for relacionado ao decreto legislativo de reconhecimento de calamidade.

Anistia
Deputados gaúchos defenderam a anistia e não suspensão da dívida. A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) lembrou que a dívida foi contraída em R$ 7 bilhões, na década de 1990, paga ano a ano, mas chega a atuais R$ 92 bilhões. “É evidente que era necessário o perdão de uma dívida que já foi paga. Garroteia o estado do Rio Grande do Sul, obrigando a não ter concurso público, exigindo privatizações”, afirmou.

O deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) defendeu que o valor da dívida suspenso seja aplicado em um fundo soberano para o governo recuperar o estado.

“O estado do Rio Grande do Sul não tem como pagar essa dívida de R$ 90 bilhões. Da onde vão sair os recursos?”, questionou o deputado Afonso Hamm, ao pedir o cancelamento de 3 anos de dívida.

Outro a defender a anistia da dívida foi o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS). “No passado dizia que a dívida mal feita precisava ser paga porque, afinal de contas, contratos precisam ser cumpridos. Entendo que é hora de discutirmos a anistia de toda a dívida”, afirmou. Segundo ele, ainda que toda a dívida fosse anistiada, o valor não seria suficiente para a reconstrução do estado. “Só os primeiros cálculos dão conta de mais de R$ 20 bilhões, só a parte pública. Olha o tanto de destruição privada”.

Fonte: Agência Câmara de Notícias

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